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Volume Avulso
RUMO AO OESTE
GENERAL RONDON – Rumo ao Oeste
E
IVAN LINS ( A Obra Educativa do Gen. Rondon - Esta parte promoverei em outra oportunidade)
RIO DE JANEIRO
1942
RUMO AO OESTE
MINITÉIO DA GUERRA
BIBLIOTECA MILITAR
COMISSÃO DIRETORA
Efetivos:
General Emílio Fernandes de Souza Doca (Presidente)
General V. Benício da Silva (ausente)
Coronel Francisco de Paula Cidade
Tem. Coronel Severino Sombra de Albuquerque
Luiz Fernando (consagrado poeta e historiador)
Carlos Maul (jornalista e consagrado escritor)
Suplementares:
Te. Cel. Rafael Garrastazú Teixeira
Cap. Luiz Flamarion Barreto Lima (ausente)
Osvaldo Orico (da Academia de Letras)
Administração:
Cap. Valmir de Araripe Ramos (Secretário e Fiscal Adm.)
1º Te. I. E. Felisberto Nunes Vilhema Filho (Tesoureiro)
sede
MINISTÉRIO DA GUERRA
PRAÇA DA REPÚBLICA
RIO DE JANEIRO
RUMO AO OESTE
( Gen. Rondon - 1942)
Com o intuito de agradecer ao Cidadão Presidente da República, Dr. Getúlio Vargas, as expressões governamentais de simpatia à raça indígena, lançadas perante os Carajás e Javaé da Ilha do Bananal, pela solução do problema nacional do índio, solicitei ao Chefe do Estado audiência especial para transmitir-lhe em nome do Conselho Nacional de Proteção aos índios, o nosso motivado reconhecimento cívico, por tão generoso e singular apoio moral a grande causa apresentada à consideração da Constituinte de 1823 por José Bonifácio, no alvorecer da independência política do Brasil e instituição da nossa nacionalidade.
Eis o movei cívico que a esta seleta reunião me traz para, publicamente, aplaudir o excepcional gesto patriótico do Chefe dá Estado Nacional e apresentar à Sociedade as considerações de ordem social e econômica que nos sugere a sua visita ao Estado de Goiás com rumo preconcebido ao extremo Oeste do território nacional, isto é, às mesopotanias do Nordeste mato-grossense —Tal foi o termo longitudinal do avião militar que conduziu o Sr. Presidente da República pelo Oeste do Brasil, entre os paralelos Sul de 10 a 13 graus em que se esteiam as pontas setentrional e meridional da famosa ilha do Bananal.
A marcha para Oeste do Sr. Presidente da República é sui generis, não pode ser nivelada a nenhuma das formas e feitios por que geralmente se encara esse fenômeno geo-social do passado colônia 1.-
É um fenômeno político administrativo inspirado pelo principio nacionalista da segunda fase da República Brasileira, vulgarmente denominada Estado Novo ou Estado Nacional.
OCUPAÇÃO DO VAZIO EXISTENTE NO TERRITÓRIO NACIONAL
É o exemplo edificante que o Chefe da Nação quis imprimir à sua fórmula administrativa, indicando o rumo às iniciativas particulares na ocupação do vazio existente no território nacional, em que a atividade econômica do país poderá se desenvolver, fomentando o povoamento do sertão. Este, até hoje, apesar das entradas que lhe abriram as portas, limitadas, porem, pelo Meridiano de Tordesilhas e mau grado as bandeiras, que empurraram o Meridiano pela expansão geográfica, que dilataram as fronteiras da conquista Lusitânia, permanece em sua quase totalidade despovoado, desconhecido do próprio Brasil.
A colonização portuguesa se limitou ao litoral e zonas adjacentes. A expansão de então para Oeste foi relativamente insignificante diante da imensidade do território conquistado. Deu, todavia, lugar à ocupação de pequena área de quais todo litoral, sertões adjacentes e planaltos de Piratininga, onde surgira o fenômeno específico das Bandeiras.
Estas tiveram como objetivo principal, o intuito econômico, definido pela ambição de aventuras materiais com apoio religioso, caraterísticas dos séculos das Descobertas e das Conquistas. E foram bandeiras de catequeses, da presa do índio para a lavoura, como escravo; de ouro de lavagem, de esmeraldas; da prata; de Mineração e de povoamento.
A expansão das fronteiras foi de tal natureza que mal poderiam ser sustentadas, não fora a habilidade diplomática, o audacioso pendor dos navegantes lusitanos e o sentimento de nacionalidade que brotava no povo que surgia do entrelaçamento das raças em fusão. Fatal era, porém, não poder povoar tamanha região nos quatro primeiros séculos.
E só após a Independência a administração nacional iniciou a sua ocupação sistemática, mediante a política de imigração, reduzida, entretanto, às regiões de climas apropriados às populações emigradas.
AS INICIATIVAS REPUBLICANAS
Foi assim no 1o e 2o Impérios. E o era ainda na alvorada da República. Desde logo não tardaram as iniciativas republicanas, oficiais e particulares, a atuar no sentido do desenvolvimento do país, dilatando a política econômica, de comum acordo com o crescimento da população.
O nosso litoral, porem, é tão extenso, que mesmo hoje quando a população brasileira é dupla da que a República recebeu da Monarquia, muito longe está da densidade demográfica proporcional à sua superfície.
Por isso mesmo os primeiros governos republicanos sentiram a necessidade da ocupação do sertão, pela posse efetiva, e em muitos casos, mesmo de descoberta de zonas ainda virgens, nunca exploradas, principalmente nos Estados de Mato Grosso, Amazonas, Pará e Goiás, tal a extensão territorial de cada um respectivamente.
A OBRA DOS PORTUGUESES
Os portugueses traçaram a periferia. Do extremo sul do litoral passaram para o rio Amazonas, e do seu vale, pelo Madeira, Mamoré e Guaporé alcançaram o do Paraguai pelo istmo do Jaburu. Desceram o Paraguai e subiram o rio Apa até suas nascentes. E pela divisória das águas do Paraguai com o Paraná atingiram, na serra de Maracajú, as origens de pequena corrente que aflui neste grande formador do rio da Prata, na altura de Salto das 7 Quedas, fronteiro à barra do rio Piquirí, onde em 1557 Ruís Dias Melgarejo fundara "la Cuidada Real, en la Província de Guaira".
Pelo rio Paraná abaixo os portugueses, após a conquista das missões jesuíticas, discutiram com os espanhóis as suas fronteiras, assentadas finalmente no regime republicano pelo rio lguassú e rio Uruguai através do istmo definido pelo vale do Pipirí-Guassú.
De um ponto do rio Uruguai, barra do Quaraí, foi a fronteira ajustada por esse rio até suas nascentes e pelo seu divisor com águas do rio Negro até a origem do arroio São Luiz —, de cuja barra demanda a serra do Aceguá e Arroio da Mina. E pelo rio .Jaguarão, em que este arroio deságua, até sua confluência tia Lagoa Mirim. Do extremo meridional desta lagoa avança à nascente do Arroio Chui, que traça até o Oceano Atlântico a mais meridional linha dos lindes brasilianos.
Penetraram os lusos quase todos os grandes rios e mesmo os de mediana proporção; mas, raramente atingiram as solas nascentes e muito menos as de seus afluentes — e as mesopotâmeas de que estes promanam.
O MOVIMENTO COMEÇOU NA MONARQUIA
Os últimos Governos da Monarquia começaram a se preocupar com o isolamento em que as capitais e cidades do Brasil se viam mergulhadas e trataram de solucionar o problema de suas comunicações rápidas.
A comunicação telegráfica no rumo de Oeste tinha o seu extremo na cidade paulista de Franca — de onde fora prolongada a cidade mineira do Triângulo, a florescente Uberaba.
Surge a República.
Goiás e Cuiabá ainda não haviam sido atingidas, mas faziam parte da rede telegráfica projetada pelo Governo monárquico, compreendendo todas as capitais das antigas Províncias.
O Governo Provisório sem detença retoma o programa da Monarquia e o desenvolve.
Estuda o problema do Oeste e resolve criar comissões de penetração do País até as suas extremas fronteiras levando o telégrafo e a estrada de rodagem a esses confins.
São criadas as Comissões Telegráficas de Goiás, de Mato Grosso, do Paraná, do Rio Grande do Sul, da Baía, de Pernambuco e Nordeste e outra que, partindo de Belém do Pará demandasse a capital do Amazonas.
O intuito republicano era o conhecimento completo do "hinterland"; a redescoberta das terras outrora percorridas pelos bandeirantes e a descoberta das regiões e zonas que permaneciam virgens das pegadas desses trotadores do sertão.
Comissões militares, todas elas dirigidas por engenheiros militares, cumpriram a respectiva missão.
A do Rio Grande do Sul levou o extremo do fio telegráfico às fronteiras respectivas.
A do Paraná atingiu a foz do lguassú.
As do Norte estenderam o fio, interior a dentro, ligando as cidades e vilas mais importantes.
A de Goiás cruzou o Triângulo Mineiro e atravessou o rio Paranaíba, formador setentrional do rio Paraná. Atingiu Goiás e avançou até à margem direita do Araguaia, onde se ligou com a linha que Gomes Carneiro trouxera de Cuiabá à margem esquerda desse famoso rio.
A COMISSÂO MILITAR EM MATO GROSSO
De todas as Comissões militares mencionadas, a de Mato Grosso é que teve maior vida.
De 1890 prolongou-se até 1930. Quatro décadas de incessantes trabalhos técnicos de construção de linhas telegráficas e abertura de estradas carroçáveis em todos os quadrantes da Estado, de Leste para Oeste e de Sul para Norte.
Estendeu mais de seis mil quilômetros de fio telegráfico simples, pela vastidão do território de Mato Grosso e de suas fronteiras com o Paraguai e a Bolívia.
Executou as explorações geográficas de todos os seus grandes e pequenos rios, cruzando as mesopotamias correspondentes.
Estudou a flora, a fauna e a geologia do Estado, ficando conhecedora de todo o seu território em muitos pontos do qual descobriu minas de ouro, jazidas de manganês (pirolusita, polianita e manganita), de gipsito, ferro, prata, diamante, turmalina, cristal de rocha, ágata, mármore.
Em conseqüência, veio a atravessar as terras dos Caiuá, Caingang, Guaraní, Cadiuéu, Guaicurú, Quiniquinau, Ofaié, Guaná, Lanai, Terrena, Inima, Borôro Orári e Boróro Togucure, Umotina (Barbado), Borôro da Campanha, Carajá, Javaé, Chambioá, Caiapó: (Gorotiré, Djoré e Assurinin), Gavião, Chavante, Canoeiro, Bacaêri, Trumai, Aúti, Meinaco. Vaurá, Nahuacuá, Ualapití, Naravute, Cuicutl, Calapálu, Suiá, Apiacá, Cajabí. Mundurucú, Parici, lranche, Tapanhúna, Nhambiquára, Quepqueri-uat, Arára, Ariquême, Caritiana, Caripuna, Moré, Tapichana, Massacá, Parnauat, Tacuatêp, lpotiuát, Jarú, Uruá, Urumí, Uômo, Buro-borá, Uaiã, Cabixi, Pacahá-novo, Cautario, Boca-negra, Palmela, e tantos outros selvagens silvícolas de Mato Grosso, que vivem ignorados nas profundezas dos vales do Guaporé, Gi-Paraná, Roosevelt, Tapajós, Xingu, Araguaia e rio das Mortes, que não tivemos tempo de conhecer, nesses quarenta anos de incessantes movimentos de translação e rotação através e em redor do Brasil, tendo para centro de gravidade o planalto de Mato Grosso e seus lindes com Amazonas, Pará, Goiás, Minas, São Paulo, Paraná, Paraguai e Bolívia.
Essa foi a marcha para Oeste que mais proficuamente atuou no sentido moderno da reconquista geo-social, como sucessora vidente das bandeiras primárias, aquelas que no dizer de Cassiano Ricardo tiveram nascimento na República de Piratininga, projetando no espaço e no tempo sobre a sociedade brasileira, a luz sertaneja de sua formação cristã, "não sendo apenas o episódio histórico mais brasileiro; pois além de haver traçado o retrato geográfico do Brasil, é um fenômeno social e político que ajuda a esclarecer muitas das nossas instituições atuais".
O IMPULSO DADO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO MOVIMENTO
Pois bem, é a revivescência daquelas conquistas sertanejas, alargadas agora com fundamentos econômicos mais eficientes e mais sólidos, que o Dr. Getúlio Vargas impulsiona.
E iniciou-se com o mesmo espírito de brasilidade daqueles primórdios históricos, dando o exemplo, como condutor da Bandeira político - administrativa, de fé republicana, levando o ânimo a todos os recantos do profundo sertão da nacionalidade, o espírito de iniciativa a todos os Estados da Federação, encorajando todos os brasileiros a empreendimentos sertanejos de caráter nacionalista, visando o alargamento do povoamento do sertão e seu aproveitamento agropecuário, no sentido da maior dilatação do progresso sertanejo conduzido por iniciativas inteligentes do próprio Governo.
Elas surgem todos os dias: o Departamento da Produção Mineral fomenta a exploração em larga escala da produção da potassa, incrementando a exploração do carvão, do petróleo, da grande siderurgia, do níquel, ouro e outros minérios.
Como conseqüência nasce a convicção viva de que sem comunicações adequadas, baldadas seriam todas essas diligências.
Daí as providências, para desenvolverem-se as vias de comunicação no planalto central com intuito de tornar efetivas as iniciativas governamentais.
Para que se torne realidade a prospecção das minas de ouro redescobertas pela Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, nas cabeceiras do Gi-Paraná, historicamente conhecidas pelo nome de "Minas de Urucumacuá", os Ministérios da Fazenda, da Agricultura e da Guerra combinam idéias e conjugam esforços no sentido da consecução do objetivo econômico governamental: — uma Comissão de Engenheiros de Minas marcha para a Cabeceira Apidiá, origens do rio Pimenta Bueno, este um dos formadores do Gi-Paraná. Ao mesmo tempo a 4a Companhia do 4o Batalhão Rodoviário acampa em Rosário de Oeste, para atacar com intensidade a construção de rodovia que ligará a capital de Mato Grosso às novas minas de ouro, descobertas pelos bandeirantes paulistas em 1741 e redescobertas pelos bandeirantes militares da República em 1909, cento e sessenta e oito anos mais tarde, em plena Renascença do Brasil.
PLANO NACIONALISTA
Podemos previamente anunciar que esta corajosa e patriótica iniciativa do Presidente Vargas completará, aumentando, o plano nacionalista, de sã brasilidade, do benemérito Presidente Pena, que consolidou a retomada do Rumo ao Sertão da proclamação da República; ora serena, consciente e pessoalmente executada pelo Chefe do Estado que norteia o moderno destino da República e do Brasil.
O Presidente Pena rumou pessoalmente para o Nordeste brasileiro, ao mesmo tempo em que pensou no Oeste e Noroeste, visando a ligação do Território do Acre à capital da Federação, por comunicações rápidas através do Noroeste, partindo da cidade brasileira mais central da América do Sul.
Getúlio Vargas projetou, e já está executando, conhecer pessoalmente todo o Oeste nacional, de que Mato Grosso, Amazonas e Acre são os extremos mais avançados.
Afonso Pena promoveu o desenvolvimento quilométrico da ferrovia nacional dando lugar ao projeto estratégico do grande construtor das vias férreas brasileiras, Paulo de Frontin — o prolongamento da Central do Brasil a Belém do Pará.
Getúlio Vargas, ao iniciar o seu plano de grande envergadura da política das comunicações centrais, retomou pelo seu atual Ministro da Viação, general Mendonça Lima, o plano de Afonso Pena, projetando a penetração do Oeste pelo prolongamento das Estradas em construção e por um grande ramal do estratégico projeto Paulo de Frontin, que partindo da Cidade goiana "Formosa" fosse ter à Cuiabá, através do futuro Distrito Federal do Planalto Central, das Cidades de Corumbá goiana, Pirineus, Jaraguá, Goiânia, Goiás e Araguaiana.
AS INICIATIVAS ESTADUAIS
As iniciativas estaduais animadas pelas federais, lançam também as suas vistas para o Sertão, rumo ao Oeste. Assim é que a Estrada de Ferro Araraquara, que tinha as pontas de seus trilhos na Cidade Paulista Mira SóI, futuroso sertão do rio Preto, resolveu continuar o seu avanço para o extremo Oeste do Paraná: o histórico porto do Taboado, hoje "Getúlio Vargas".
Essa próspera Estrada paulista visa realizar o sonho secular dos cuiabanos, de uma ligação ferroviária direta com o porto de Santos. A iniciativa estadual vem ao encontro do programa federal da Marcha para Oeste.
Do porto Getúlio Vargas a Araraquara atravessará o alto Paraná, galgando o território de Mato Grosso. Procurará a secular Cidade dos Garcias — Sant’Ana do Paranaíba.
Dali inflexionará para o Sudoeste em demanda da Povoação pastoril de Baús.
E, enfrentando os vastos chapadões de capim-flecha que a envolve, lançará seus trilhos pelo altiplano em que o Araraguaia vem buscar as suas primeiras águas, no mesmo manancial subterrâneo de onde o Sucuriú, o Jaurú, o Corrente do Sul, o Tiquira e o Corrente do Norte promanam. Buscará a Cidade boiadeira do Alto Araguáia. Prosseguirá pelo divisor entre o Itiquira e o rio Poguba, principal formador do São Lourenço, baixando para este vale em Rondonópolis. Retomando os altos chapadões do planalto mato-grossense, continuará rumo a Cuiabá, acompanhando os divisores do São Lourenço e Cuiabá, com águas da bacia do Amazonas pelo rio das Mortes, baixando à Capital mato-grossense por declive relativamente suave após atravessar a Vila da chapada de cerca de mil, metros de altitude.
E prosseguindo em sua finalidade político-económica assentará as extremidades de seus trilhos na mais ocidental fronteira do Brasil, em Mato Grosso, na Cidade fundada pelo Governador e Capitão General Luiz de Albuquerque de MeIo Pereira e Cáceres, benemérito organizador e administrador daquela Capitania, o mais fidalgo, mais ativo e mais fecundo de todos os que Portugal enviou para defender e governar Mato Grosso.
SIGNIFICAÇÃO DO ESPIRITO DE BRASILIDADE QUE ENCERRA A MARCHA PARA OESTE DO Sr. PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A visita que o Cidadão Presidente da República acaba de fazer ao Estado de Goiás, na sua jovem Capital, não visou um simples ato político-administrativo.
De certo que o Chefe de Estado teve o fito de levar ao Governo goiano o seu aplauso pelo progresso que essa afastada unidade da Federação tem experimentado, dentro do seu período governamental, de 1930 para cá.
Desejaria ver esse progresso, sentir com o povo goiano, o acerto na escolha do seu Delegado para o exercício do cargo de Interventor a ser praticado na parte mais centra! do território da República, experimentar a sensação nova do panorama da grandiosidade do Brasil, observada do centro para a periferia em toda a projeção de sua grandeza física; conjeturar da psicologia do sertanejo pelo contato direto com a alma daquele povo do planalto; em uma palavra, sentir a tradição do Brasil que surgiu com as Bandeiras, nesse trecho do ínvio sertão em que Bartolomeu Bueno Filho acampou e lavrou a terra para cumprir a missão das aventuras do ouro, que o arrastaram por ali em busca do achado anterior do seu velho Pai, o Anhanguera.
Não foi todavia esse o único móvel da sua marcha para o Oeste. O Chefe do Estado teve a preocupação de ver o índio em seu habitat próprio, em plena Natureza virgem, como o seu dominador, onde pudesse verificar, ainda que de relance, a sua vida tribal, a sua organização social e política; os seus costumes e os seus hábitos; a sua indústria doméstica e de guerra; examinar a localidade em que está vivendo em Aldeias, com o intuito de providenciar a melhoria de seu viver e eficazmente protegê-lo contra qualquer desacato à sua família e integridade de suas terras.
O POSTO DE SANTA ISABEL
Para isso conseguir, o Senhor Presidente rumou de Goiânia para a Ilha do Bananal, na sentido do meridiano de 7 graus ao Oeste do Rio de Janeiro, vencendo nessa direção cerca de 4 graus de paralelo para alcançar o acampamento de Santa Isabel, onde até 1930 existiu, funcionando havia 3 anos, o Posto Redenção Indígena, fundado pelo Serviço de Proteção aos Índios, sob a direção do Tenente-coronel da Reserva do Exército Alencarliense Fernandes da Costa.
Extinto esse Posto em 1931, por falta de verba, conservaram-se os Carajá na Aldeia que ali já existia, minúscula parcela da população indígena da Ilha que, ainda em 1775, montava em cerca de 9.000 almas entre os Carajá e .Javaé, seus habitantes. E isso, apesar da traição de Antônio Pires de Campos, que vinte anos atrás, engodando os Carajá com tendenciosos agrados, cai-lhes de chofre sobre a principal aldeia da ilha, matando os que resistiram e apresando homens, mulheres e menores que, acorrentados, eram levados à venda pelos sítios e fazendas, como míseros escravos.
Já não são mais os primitivos habitantes da famosa Ilha de Sant’Ana do Bananal. Esses longínquos descendentes já estão transformados pelo tempo e contato com civilizados, — pela ação das missões católicas e protestantes, e ultimamente, pela proteção oficial do governo republicano, interrompida em 1931, mas, felizmente, restabelecida neste ano pelo próprio Presidente da República, que, in loco, aos Carajá reunidos, peremptoriamente declarou que restabeleceria na Ilha o Posto de Proteção que ali mesmo funcionou de 1928 a 1931, com franca prosperidade.
Esse gesto presidencial levou-me a fazer votos para que, ao nome sugestivo com que foi inaugurado o Posto em 1928, se acrescentasse o do Presidente da República que, solenemente, entre os Índios, lhes afirmava a restauração do Estabelecimento oficial de sua proteção, com escolas em que os meninos de ambos os sexos aprendessem a ler, escrever e os ofícios práticos de utilidade para guiar a gradual evolução das gerações sucessivas até a sua completa incorporação à nossa sociedade.
Era o meio mais vivo de gravar na alma daqueles Indígenas o benefício resultante da visita pessoal que tiveram a fortuna de receber do Chefe do Estado, em sua própria Aldeia, entre os membros da tribo reunidos em família. E a Posteridade bendiria o Presidente da República, que viu com os seus próprios olhos o estado de penúria material e moral a que foram aqueles paraguaianos conduzidos pela invasão das suas terras e profanação das suas tabas, desde a bandeira de Antônio Pires de Campos até os nossos dias.
O Dr. Getúlio Vargas pode formar opinião pessoal da situação dos nossos selvicolas.
Referiu-me a ingenuidade e a franqueza curiosa dos Carajá, que, apesar de todas as tentações de degradação a que estão submetidos no crivo da degenerescência da civilização moderna, conservam a alma pura de criança, o que levou o Presidente a dizer-me que o, índio é urna criança grande; isto é, de mentalidade simples, ingênua e franca, não atingida pela perversão própria das sociedades corrompidas.
RECEPÇÂO DOS INDIOS AO PRESIDENTE
Recepção do Senhor Presidente da República pelas tribos da Ilha do Bananal: Carajá e Javaé — segundo o protocolo da diplomacia observada por essas tribos.
Os Carajá deviam receber os Javaé que vinham de Limoeiro visitar o Senhor Presidente da República. Os Javaé teriam vindo de suas tabas uniformizados, com adornos de penas na cabeça e lanças nas mãos. armados de arco é flechas iriam receber os visitantes fora do pátio da Aldeia ao som de suas buzinas e gritos dos guerreiros. Nesse momento os Carajá terão se metido em linha de batalha tomando as suas armas, O cacique ter-se-á posto à frente com uma grande lança na mão. Ao chegarem os Javaé terão também se metido em linha em frente dos Carajá, avançando e recuando cada grupo três vezes contra o outro, acompanhando esse movimento de estrondosos gritos de guerra, fechando ao mesmo tempo o campo em circulo, dentro do qual os dois Caciques terão se cumprimentado. De cada grupo ou pelotão terá saído um soldado, de uma e outra Nação, a pegar a luta, presidindo os dois maiorais a peleja, cada qual animando o seu guerreiro. A nação que venceu terá sido aplaudida com três grandes gritos, saindo em seguida os lutadores para fora do círculo, a formarem uma linha à. grande distância, onde os pelejadores iam se reunindo para depois correrem parelha, tudo animado com gritos e estrondosos sons de buzina. Terminada a festa terá o Cacique Carajá conduzido o seu colega Javaé à presença do Sr. Presidente para cumprimentá-lo. —Com tal cerimonial terá terminado a recepção. Seguir-se-ia a troca de presentes protocolares.
Segundo o protocolo Carajá, ao Sr. Presi4nte da República ter-se-á entregado um cachimbo de barro em que o Chefe de Estado devia tirar grandes baforadas voltadas para o lado em que nasce o Sol, ídolo daquela gente, por ela reverenciado como bem-feitor da natureza em que vive, de que vive e para que vive.
Dessas cerimônias fetichistas terá o Senhor Presidente da República tirado a conclusão para apreciação da mentalidade do índio, classificada na da criança, donde a apreciação acima referida.
VISITA AOS CHAVANTES E OUTROS ÍNDIOS, DE CIMA DAS NUVENS
Quis o Chefe de Estado ver, além dos habitantes da ilha do Bananal, os Chavante, velhos inimigos dos Carajá, bem como outros índios de Mato Grosso.
Preparada a esquadrilha presidencial decolaram os aviões rumo ao Oeste diretamente para os vales das cabeceiras do Xingu, isto é, Culuêne, Culisêvu, Tamitatoala e Ronuro
À comitiva do Chefe do Estado se agregou um missionário salesiano Padre Chovelon, que se propôs a explicar-lhe o que pudesse distinguir a respeito dos Chavantes, que a respectiva Missão tenta pacificar desde o tempo do Bispo O. Malan, então Padre lnspetor da Missão em Mato Grosso.
O avião Presidencial terá sobrevoado as cabeceiras de todos aqueles rios formadores do Xingu. O Sr. Presidente da República chegou a ver duas grandes Aldeias encaixadas na densa floresta, atingida no século XVII pela bandeira de Bartolomeu Bueno, o Anhanguera, que por ali descobrira, nas serranias adjacentes as lendárias minas de ouro dos Martírios que até hoje abalam a cobiça de pretensos bandeirantes de todos os feitios, mal recebidos sempre pelos Chavantes e até pelos xinguanos de índole pacifica. Tal a maneira com que esses expedicionários, intelectuais e práticos se apresentam à viva força em suas malocas.
As aldeias observadas pela comitiva presidencial serão possivelmente dos índios do Xingu e não dos Chavantes, que vivem na vertente setentrional do alto do rio das Mortes. Estão elas ligadas entre si por uma larga estrada completamente limpa, demonstrando trafego constante e permanente .
No regresso do avião ao acampamento de Santa Isabel foi vista urna aldeia provisória, de caça ou incursão, a cerca de 40 ou 50 quilômetros daquele acampamento, no ângulo compreendido pelo rio das Mortes e o Araguaia provavelmente dos Chavantes. Suas Aldeias permanentes estarão para as bandas das cabeceiras do rio Paranatinga e Culuêne, onde são freqüentemente vistos pelos índios Bacaerí do Posto Simões Lopes. No médio e baixo rio das Mortes só andam em caçadas e incursões que geralmente duram meses inteiros.
As duas grandes aldeias sobre as quais passou o avião presidencial têm como as dos primitivos Borôros, o traçado circular; as malocas, com capacidade para abrigar cerca de 100 pessoas, afetam a forma elipsoidal com uma única entrada, pequena porta arrematada em arco na sua parte superior.
O CASO FAWCETT
As aldeias sobrevoadas pelo avião capitanea da esquadrilha presidencial entre os meridianos de 9 e 11 graus a Oeste do Rio de Janeiro e entre os paralelos de 11 e 13 graus ao Sul do Equador, teriam sido possivelmente das tribos Calapálu e Cuicutl (Cuicuro), de intima ligação pelos estreitos laços de boa vizinhança. Essa zona do Xingu, compreendida entre a barra do Culisêvu e a foz do Sete de Setembro, afluentes de uma e outra margem do Culuêne, principal formador do Xingú, foi teatro do misterioso desaparecimento do famoso Coronel Fawcett, explorador inglês, que serviu em 1909 na demarcação das nossas fronteiras com a Bolívia, na qualidade de Comissário da Comissão Demarcadora das Cabeceiras do rio Verde do Guaporé, por parte da Bolivia.
Em 1920 aparece no Brasil solicitando do Governo do Presidente Epitácio Pessôa auxilio material para descobrir uma Cidade de ouro que ele situava na mesopotamia entre o Tapajós e Xingú. Concedido o auxilio solicitado sob os auspícios da Embaixada Inglesa partiu o explorador ao seu destino, acompanhado de seu filho e de um auxiliar australiano. Retrocedeu no mesmo ano, fatigado, mas não desanimado, sem poder alcançar o seu objetivo. Obcecado pela idéia que o seu empirismo teimava em insinuar-lhe, a Mato Grosso voltou, em 1925, com os mesmos companheiros. Rumou para a região de seus sonhos dourados. Os índios Bacaerí não quiseram prestar-lhe o seu concurso, apesar de reiteradas solicitações nas duas vezes. Como da primeira, fracassaram os seus desejos.
De volta dos chapadões tapaj6s-xinguanos, então já desiludido, insiste com aqueles índios para que o levem ao porto Taunaí no rio Colisêvu, de onde baixando, Xingú afora, alcançaria o Pará, de lá se recolhendo à Londres.
Efetivamente conseguiu a primeira parte do seu intento.
Os Bacaerí levaram-no com seus dois companheiros àquele porto. Ali encontraram algumas canoas dos índios Anahucuá. Tomou uma delas e baixou pelo Culisêvu até a sua barra no Culuêne. Em vez de continuar a descer pelo Xingú como projetava, fora solicitado novamente pela fascinação do ouro, a tentar o redescobrimento não mais do El-Dorado do Tapajós, mas sim das lendárias Minas dos Martírios, que a fábula localiza nas cabeceiras do Xingú, para as bandas da vertente setentrional do rio das Mortes.
Da barra do Culisêvu subiu o Culuêne, passou a aldeia dos Suiá e chegou A dos Cuicutl (Cuicuro) onde foi bem recebido.
Resolveu ali descansar. E creio que por algum tempo. Resultado — seu filho se engraçou pela filha do Cacique. E a história de todas as aventuras Longínquas se repetiu.
Fawcett demorou tanto nessa Aldeia que chegou a acarinhar um casal de netos indígenas, vindo a perder a menina de cabelos louros e crespos, e salvando-se o varão que terá hoje 15 anos de idade, a julgar pela fotografia que de Cuiabá. me foi enviada, obtida no porto Taunaí, de um casal de pastores protestantes americanos que lá tentara fundar uma missão cristã. Em uma visita que os índios Cuicuro fizeram à Missão, apareceu o neto de Fawcett com cerca de 12 anos, sendo fotografado pelos referidos pastores.
Estes, com habilidade, conseguiram levantar o véu do misterioso desaparecimento do célebre explorador, por tanto tempo procurado por diferentes comissões.
Infelizmente, esses Stanleys não puderam corresponder às esperanças da família do novo Levingstone e do governo inglês, que tanto se interessou por essa descoberta.
Todas as tentativas fracassaram. Duas delas no próprio rio Xingú. Dyott dirigiu a primeira. E, antes de penetrar pelo Culuêne acima, se aterrorizou com a presença de tantos índios que o cercaram no acampamento, que achou mais razoável desistir da missão Stanleyana, abandonando o acampamento para descer rio-abaixo até Belém do Pará.
Antes, porém, transmitiu um radiograma a quem pudesse captá-lo, rogando a fineza de retransmiti-lo à Embaixada Inglesa no Rio de Janeiro. A Estação Radio da Inspeção de Fronteiras, no acampamento do Breu, rio Cuminá, logo depois da chegada ali da Expedição que demandava a Fronteira da Guiana Holandesa, captou aquele radio, pelo qual soubemos do desespero do desolado explorador. Sua resolução fora prudente. Fawcett já não existia.
Fora pelos Calapálu morto, quando quis forçá-los a acompanhá-lo como guias até o rio das Mortes.
Relato o que ouvi do Pastor protestante:
Depois da demora que Fawcett julgou necessária na Aldeia dos Cuicuro, cerca de mais de um ano, resolvera prosseguir. Estes seus amigos levaram-no à Aldeia dos Calapálu, seus vizinhos, conhecedores da região a atravessar. Desta Aldeia partiu o inditoso coronel acompanhado de seu filho e outro auxiliar. Marcharam rumo ao rio das Mortes.
Quando os recursos alimentícios começaram a diminuir, os Calapálu resolveram retroceder, abandonando os ingleses. Fawcett fez valer a sua autoridade. Pretendeu forçar os seus guias a continuar a marcha até atingir o objetivo colimado.
Tal violência deu lugar à tragédia, que ficou sepultada nas profundezas da floresta das cabeceiras do Xingú, entre a vertente oriental do rio Sete de Setembro e a ocidental do rio das Mortes.
A última tentativa da descoberta de Fawcett foi feita por um Conde inglês. Este fidalgo partiu de Londres para Buenos .Aires.
Dali a Cuiabá. Desta a Simões Lopes. E deste Posto Indígena à barra do Culisêvu com o Culuêne Dali à Aldeia dos Cuicuros Desta à dos Calapálu Aqui, sua insistente indagaç~0 a respeito do destino que tomara o hóspede da tribo, determinou a sua desgraça. Pouco se demorou na Aldeia, onde sentindo-se mal voltou aos Cuicuro, em cujo meio veio a falecer com horríveis sintomas de envenenamento.
O Serviço dó Proteção aos índios nutre a esperança de poder melhor esclarecer o mistério, quando tiver a Oportunidade de recolher os ossos do famoso explorador cientista inglês, que tanto deu a falar nestas duas últimas décadas.
CONSEQUÉNCIA DA VISITA PRESIDENCIAL,
RUMO AO OESTE
O Sr. presidente da República, ao retroceder à sua sede governamental providenciou pelo Ministério da Agricultura a criação de um Centro Agrícola de localização de trabalhadores nacionais sertanejos, dando-lhes o Governo as terras demarcadas e aradas, ferramentas, saneamento e providências sanitárias com médico a frente.
O Sr. ministro da Agricultura tomou as medidas necessárias e prontas para o cumprimento das determinações presidenciais Técnicos desse ministério partiram a realizar a escolha do local e estudo das terras, no sentido da efetivação da vontade presidencial
O reconhecimento se fará entre as cidades de Bom Fim, Goiânia e Jaraguá, nos sub-vales dos rios Meia Ponte e dos Bois, que vertem para a bacia do Paraná, e rio das Almas, um dos formadores do Tocantins.
Pelo Ministério da Viação a providência consistiu em estudar o prolongada Estrada de Ferro de Goiás à nova Capital um ramal, que partindo dessa Estrada vá ter às minas de níquel, localizadas entre o Maranhão e o Paraná formadores do Tocantins.
Marcha para Oeste é o capítulo mais brilhante da nossa história. Ela, na opinião de Cassiano Ricardo, brota do planalto. Do planalto dinâmico, que está a cavaleiro do sertão, dando empurrões ao homem da bandeira.
No conjunto de preciosidades que deparamos nessa nova marcha para o Oeste, todas elas concernentes à grandeza do Brasil, nenhuma sobreleva o índio.
O seu assunto é tão grande que aprofundá-lo seria fazer passar perante vós, meus caros patrícios, o infinito filme da nossa história até às hipóteses dos tempos pré-colombianos.
OS ÍNDIOS DERAM A BASE AO CARÁTER NACIONAL
E, como Gonçalves Dias, chegaríamos à conclusão de que "os índios foram o instrumento de quanto aqui se praticou de útil e grandioso; e são o princípio de todas as nossas coisas; os que deram a base para o nosso caráter nacional".
Nesse trecho lapidar o grande poeta e cientista brasileiro sintetizou o papel do índio em nossa evolução e na História do Brasil, não propriamente pela ação de sua individualidade pura, mas pelo conjunto de qualidades com que entrou para a caldeação do povo que aqui se viu formando e praticou as coisas todas que deram em resultado ser o Brasil o que e De fato Portugal, pobre de gente e esgotado de recursos, no século XVI, não podia, por si só, conquistar e ser o fundamento da nacionalidade que aqui surgiu. Quanto à conquista da terra para o domínio português; ela é assim resumida pelo insuspeito e bem informado bispo d’Elvas: "a conquista do Espírito Santo foi devida a Tibiriçá, a da Baia a Tabira, a de Pernambuco a ltagibe e Piragibe, a do Maranhão a Tamagica".
E todos sabemos que sem o apoio dos caciques Tibiriçá e Pequerobi, ligados pelo consórcio de suas filhas aos portugueses João Ramalho e António Rodrigues, aqui chegados misteriosamente, a conquista e a colonização de São Paulo, consequentemente a do Rio de Janeiro e por fim a própria arrancada das bandeiras, teriam sido impossíveis. Pois, segundo a opinião do brilhante acadêmico que vimos citando, "do ponto de vista étnico, foi a intensa mestiçagem com aborígenes, da qual resulta o mameluco predominante nas arrancadas, que proporcionou aquele assombroso êxito das bandeiras. Isto é, encurtamento de distâncias sociais pela miscegenação. Os índios forneceram aos portugueses não só os elementos militares indispensáveis à conquista e posse da terra, como as bases econômicas de sua manutenção, porquanto sem o seu trabalho, sem o seu conhecimento das culturas locais indispensáveis: mandioca, milho, etc., e dos processos a elas adequados; do modo de caçar, de pescar, etc., os ádvenas nada poderiam ter feito. Mas é preciso assinalar bem que por mais importante que tudo isso tivesse sido para a formação do Brasil, foi bem pouco comparado com a contribuição racial e social do povo brasiliano, que se iniciou com o nascimento do primeiro mameluco". Foi, e é, pelo contingente de resistência, bravura, generosidade e pundonor trazido pelo índio à formação do nosso povo, que o consideramos precioso, tanto no passado, como. ainda no presente.
PROBLEMA EMINENTEMENTE SOCIAL
E por mais valiosa que possa ser a sua contribuição econômica ela se coloca em plano secundário em face da incorporação social ou seja dessa outra contribuição para a formação do tipo humano mais conveniente a caracterizar a raça que aqui está sendo elaborada.
O aproveitamento do índio, no que teve de humano e orgânico no correr de nossa história, foi e continua a ser um problema eminentemente social, cuja repercussão se estenderá pelo futuro grandioso de nossa gente, figurando a parte econômica imediata como um "quantum satis" subjacente, na solução do magno problema. Mas, não é demais que se pergunte:
Que é o índio?
Neste particular, permito-me o prazer de transmitir a opinião do Serviço de Proteção aos índios pela sua ardorosa diretoria:
"A preciosidade maior que encontramos na marcha para o Oeste".
É essa preciosidade, continua ela discorrendo, vem das grandes qualidades que a sua incorporação trará ao povo brasiliano.
Os aspectos marcantes, as qualidades reais da nossa gente mui pouco podem ser observados nas populações litorâneas, onde o afluxo e refluxo de estrangeiros e as condições de vida, tudo deturpam e nivelam. É lá, nos rudes trabalhos do sertão, perante todas as dificuldades e sacrifícios com que a vida, ali, se apresenta, que podemos ter o conforto dessa verificação. E quem, como nós, a tenha feito não pode descrer do futuro do Brasil. Isso mesmo afirmou o grande estadista americano Teodoro Roosevelt em presença dos oficiais e dos nossos caboclos que o conduziram da travessia das Linha Telegráfica no rio da Dúvida, à confluência dos rios Castanho e Aripuanã, dirigindo-se a estes: " país que possui filhos como estes, está fadado a grande futuro e a grandes cousas".
"Não se iludam, disse o escritor inglês, com a aparente fraqueza do Brasil, a frugalidade, a resistência e a bravura do seu povo e tornam um país inconquistável" (1)• O levante pernambucano, ao mesmo tempo contra os holandeses e contra os tratados de D. João IV com esses mesmos holandeses, de cujo cumprimento resultaria a entrega à Holanda do trecho do Brasil desde Sergipe ao Maranhão, forneceu ao historiador britânico Southey a oportunidade de descobrir e narrar uma das grandes epopéias da Humanidade, que o aulicismo dos historia dores portugueses e brasileiros cuidadosamente deformou no interesse do bom nome bragantino. Foi essa a primeira manifestação da pujança nacional do povo brasileiro, classificado de "milagre com que ninguém poderia contar", pelo padre António Vieira, o conselheiro do Rei e seu Embaixador em Haia, para a entrega aos holandeses daquele largo trecho do Brasil, em troca do apoio da Holanda contra a Espanha na luta para a manutenção da independência conquistada em 1640. Não esqueçamos que a Holanda era então a primeira potência marítima do mundo. Se quando as armas e os poderes de Portugal e Espanha estavam unidos, não lhes foi possível defender o Brasil da invasão e conquista dos holandeses, como será possível a Portugal, agora, tendo contra si a Espanha, expulsar os holandeses do Brasil? dizia o padre. O Rei aceitou esse e os demais argumentos, todos tendentes àquela entrega, com tanto calor que lhes deu a denominação de "papel forte" com que é conhecido na história. E os embaixadores tiveram ordem de negociar com a Holanda a cessão da referida parte do Brasil. E foram expedidas ordens aos chefes pernambucanos para deporem as armas, sendo considerados rebeldes contra Portugal os que não o fizessem.
O MILAGRE DA VITÓRIA PERNAMBUCANA
Muitos bravos portugueses que estavam entre os insurgentes cumpriram o mandado real, abandonando a rebelião e depondo as armas, mas o brasiliano Vidal de Negreiros e outros, representaram ao Rei nos seguintes veementes termos: "A gente não nos perdoaria e seríamos por ela sacrificados se tentássemos cumprir as ordens de Vossa Magestade". . e "procurariam a outro Príncipe católico que a defendesse".
Demos sobre o assunto a palavra a um historiador português. — Oliveira Martins: "Não contaremos os fatos dessa ilíada pernambucana. O norte do Brasil ganhou então, por um ato de coragem, os foros de uma independência que o Sul ia conquistando todos os dias, de um modo lento, mas seguro; obscuro, mas infalível. Vieira, (2) Vidal de Negreiros, Henrique Dias, Felipe Camarão, os Portugueses, os já brasileiros, os Negros, os índios, apareciam reunidos na aclamação de uma Pátria nova. Na antiga Pátria portuguesa reinava 12 João IV, de braço dado ao Padre Vieira; e as ordens de - Lisboa mandavam aos sublevados que depusessem as armas, que deixassem aos holandeses o que os Tratados lhes garantiam porque, dizia o Padre Vieira, abandonar Pernambuco é o meio de salvar a Índia.
Ainda se pensava em salvar a Índia.
"Contra o Rei e o seu Conselheiro, contra os holandeses e a poderosa armada que os foi sustentar (1647), combateram os Brasileiros, bombardeando o Recife. Em 1648 e 1649, ganharam as duas batalhas decisivas de Guararapes; e por fim, em 1654, depois de dez anos de guerra, D. João IV, já mais senhor de si, decidiu-se afinal a aceitar o que os pernambucanos tinham conquistado. Uma esquadra portuguesa foi ao Recife consumar a expulsão dos holandeses".
Foi essa a primeira manifestação heróica da nossa existência nacional.
(2) João Fernandes Vieira.
Si o negro puro aí entrou com os contingentes do inexcedível Henrique Dias, si os índios também puros aí figuram tendo à frente o incomparável Camarão, o núcleo de resistência foi constituído pelo "Brasileiro" com a alta dose de sangue indígena, que ali se transfundiu. Brasileiros são os Maranhões, os Cavalcantis, os Bezerras e o maior de todos, esse modesto André Vidal de Negreiros, tão grande que quando o Padre Antônio Vieira o conheceu de perto, mais tarde, penitenciou-se do seu erro de visão no "papel forte". Ali estava, em carne e osso, o "milagre da vitória pernambucana"!
Pois bem, esse Povo foi a conseqüência da incorporação racial e social dos índios do Brasil. E as suas qualidades, como dissemos, só podem ser devidamente apreciadas nas situações difíceis da guerra ou dos trabalhos sertanejos, onde julgadores levianos raramente se encontram.
ILÍADAS E ODISSÉIAS CÍVICAS
A Comissão Rondon possui, sepultadas nos seus Relatórios, Ilíadas e odisséias cívicas em que a grandeza do Brasileiro apresenta fulgores incomparáveis, tudo feito com a modéstia e a simplicidade de gente para quem o heroísmo e o sacrifício da vida em serviço da Pátria são ato banal e corriqueiro.
Seja-nos permitida a especialização de um caso, porque nele se envolve também uma comparação.
No vasto plano de exploração do Grande Sertão Nacional organizamos uma Expedição de detalhe para tirar dúvidas referentes à bacia do Xingú. Dois Capitães da Comissão Rondon, um como chefe e outro como imediato, foram dela encarregados. Mas, por exigência da nossa diplomacia, essa Expedição teve que ser internacional. Agiria, conjuntamente, uma turma expedicionária de Simpática Nação européia, dirigida por um dos seus cientistas composta de elementos todos europeus e mais ou menos nórdicos. Formularmos instruções: divisão de encargos e convergência de esforços. Cada um estudaria a sua especialidade e finalmente trocaríamos os resultados. A nós a parte geográfica, a referente às tribos indígenas e mais detalhes e informações condizentes com a finalidade da Expedição. A eles os estudos que interessavam as Suas agremiações científicas. E’ claro, e assim devia ser, toda a organização da Expedição coube a nós mesmos porque desse especifico assunto os estrangeiros nada entendiam.
A tragédia começou quando atingida a parte navegável do formador do Xingú (Ronuro), por onde a descida ia ser feita. Regressada a tropa que até então acompanhara e provera a Expedição, as canoas começaram a ser construídas e os sacos de comestíveis se esvaziaram visivelmente. Com olhos aflitos os nossos hóspedes acompanhavam esse esvaziamento.
Surgiam também perguntas angustiadas: quando poderemos sair? Como nos alimentar? E a nossa gente indicava-lhes o rio sob cujas águas transparentes os peixes se mostravam em elegantes volteios, as palmeiras que continham os palmitos saborosos; e a caça e o mel com que tal qual o índio, nós, os seus descendentes, nos alimentávamos no sertão!
O ACAMPAMENTO
O contraste era mais chocante à noite. Seu acampamento era taciturno, entremeado de queixas e recriminações pela falta de comodidades e incertezas do dia seguinte. No nosso, em torno da fogueira, o pessoal alegremente palrava na narração romanceada de cavalheirescas façanhas no Rio Grande do Sul, em Pernambuco ou em Minas. Todos pensavam apenas no que teriam a fazer no dia seguinte ou contar quando regressassem ao convívio reconfortante dos humildes lares longínquos. É assim o nosso povo.
A REVOLTA DO MEDO
Entre os outros um dia a revolta surgiu: revolta do medo, do receio do desconhecido, da falta de comodidade, etc. E ainda aí teve que agir a energia brasileira, impondo aos ádvenas o acatamento à autoridade periclitante do seu próprio Chefe, que para nós apelara pedindo socorro. Esse confronto é eloqüente. Mas vai além. Ao fim dos trabalhos, a contribuição para nós dos estudos e observações da sua turma foi nula.
Nada tinha feito "palas condições desfavoráveis do clima do País", segundo declarava o Chefe!
Depois, em sua terra, escreveu um alentado volume, centenas de páginas, para narrar façanhas, a maior das quais foi ter aprendido a dormir em rede.
ELOGIO DO CACIQUE UIRÁ
Falei em cavalheirismo e pundonor da nossa gente sertaneja, toda’ ela descendente do índio. Essas qualidades se manifestam de inúmeras maneiras mesmo nos que, se tendo transviado por uma falta inicial, trilham a estrada do crime mantendo-se fora da sociedade e defendendo-se de suas leis com as armas na mão e um heroísmo bem digno de melhor aplicação: os jagunços e bandoleiros que de vez em quando surgem ao sul. ou ao norte do nosso Pais.
"Não levam o desaforo para casa". É um dos princípios dessa nossa cavalaria rústica, pura herança indígena. O nosso índio não admite afronta,
Há á um caso recente e mui digno de ser lembrado dentro do assunto que nos ocupa:
"Atraído pela apologia dos nossos hábitos e da amizade que tínhamos pelos silvícolas, um velho chefe da tribo dos Urubu empreendeu com sua mulher e dois filhos, por conta própria, uma viagem à São Luiz do Maranhão. Aí chegando a alma caiu-lhe aos pés; foi mal recebido e mesmo agredido por malvados com quem por infelicidade se encontrara.
Acudido, confortado e tratado por uma Senhora, Esposa de Serventuário do Serviço de Proteção aos Índios, continuou taciturno o velho Cacique Uirá. No seu regresso, antes de atingir a tribo, encaminhou-se para um rio cheio de piranhas, iludiu a vigilância do serventuário do Serviço de Proteção aos índios, seu acompanhante, no que foi ajudado por sua mulher e filhos e atirou-se à voracidade dos horríveis hemófagos. Antes de submeter-se ao despedaçante "hara kiri" dera conhecimento à sua mulher e filhos da resolução tomada. Não era possível regressar à tribo sem se ter desafrontado do insulto que sofrera.
A idealização de Gonçalves Dias no seu belo poema "Y Juca Pirama" é a simbolizarão mais viva do indomável orgulho indígena.
Assim é o nosso Índio em todas as suas manifestações de honra e de brio.
A HONRA E O BRIO DO ÍNDIO
Eis o que ainda nos resta e ainda encontramos na marcha para o Oeste e que almejamos conservar como elemento de seus característicos excepcionais.
Mantenhamo-los pondo de lado teorias importadas, seja qual for a sua procedência, que tendam à diminuição da nossa gente, oriunda de propósitos tendenciosos ou de observações incompletas e incompetentes. Mas repito, não se trata do aproveitamento da nossa restante massa indígena como "mão de obra" de um passageiro surto econômico.
O problema de sua incorporação é social e humano, e como tal deve ser resolvido. Se à incorporação do Índio se impõe pelas vantagens que traz à formação racial do nosso povo a sua "proteção oficial", independente de qualquer outra consideração deve ser aqui, como é hoje nos Estados Unidos, um imperativo moral a que nenhuma Nação da América pode fugir.
Todas as nacionalidades americanas se formaram à custa das Nações indígenas encontradas neste Continente. Cabe-nos, pois, sem nenhuma preocupação utilitarista, a obrigação de ampará-los e protegê-los, orientando-os na sua natural evolução.
O CONSELHO DE JOSÉ BONIFÂCIO
Felizmente, para resolver o Problema Indígena dentro dessas bases, o Governo do Brasil retomou o seu posto de vanguardeiro da Causa Indígena, iniciada em 1910 com a fundação do Serviço de Proteção Social aos índios, segundo os sábios conselhos de José Bonifácio.
Com alguns eclipses esse Serviço foi mantido até fins de 1930.
O Governo atual praticou os seguintes atos que bem demonstram a firme resolução de prosseguir na senda interrompida no começo de 1931:
1o - Forneceu recursos para o início da reorganização do Serviço de Proteção aos Índios no corrente ano.
2o – criou o "Conselho Nacional de Proteção aos índios", convergentes à solução do dito problema e a esse Conselho assegurou o Presidente todo o seu concurso moral e material.
Finalmente, patenteando o interesse que lhe merecem os Índios, resolveu pessoalmente visitá-los em um dos seus habitantes famosos —. a Ilha do Bananal.
Mas, se há toda essa boa vontade em solucionar tal questão, cumpre começar por indagar qual o meio mais prático e racional de resolvê-la. Trata-se de um problema de sociologia, com as dificuldades próprias da situação dessa ciência no quadro dos conhecimentos humanos. O homem não se podendo isolar, nem do meio cósmico nem do tempo, as leis respectivas têm que ser obedecidas pena de insucesso. Ao mesmo tempo o índio, como homem que é, está sujeito às leis fatais da evolução humana, que não permite saltos.
O QUE NÃO DEVEMOS ESPERAR DO ÍNDIO
Não podemos exigir de um Índio ainda no primeiro estádio de evolução prática, a mesma capacidade de trabalho agrícola que é capaz um imigrante europeu ou asiático, com muitos séculos de atividade agrícola a aprimorar-lhe a capacidade correspondente Dentro de um lote de vinte hectares, por exemplo, um lavrador chinês ou japonês, mesmo italiano ou português, acostumado à lavoura intensiva para fazer produzir o quintalejo de que dispunha no Pais de origem, julgar-se-ia riquíssimo de terra e se tornará talvez rico de fato se encontrar mercado para vender os seus produtos. Mas o índio, acostumado aos horizontes sem fim de suas terras, julgar-se-ia asfixiado nesse estreito âmbito e não haverá meio de mantê-lo ali, a não ser que o sujeitem, à força, a permanecer e trabalhar- o que será como sabemos, a sua morte. Além disso, um País como o nosso, que libertou o africano escravo, fio iria Usar para obrigar o Índio a trabalhar regime que pouco ou quase nada difere da escravidão.
NORMAS SOCIOLÕGICAS PARA O APROVEITAMENTO
DOS ÍNDIOS
De modo que o aproveitamento do Índio sociologicamente tem que obedecer a regras ditadas por leis científicas gerais e pela experiência, nossa e alheia, que assim pode ser resumida:
1.0 — Não afastar o índio do seu habitat, pois conhecemos o efeito desastroso desse afastamento.
2.0 — Não forçá-lo a trabalhos e respeitar a sua organização tribal.
3.0 — Criar-lhe, pelo exemplo e pelo fornecimento de cousas úteis, novas necessidades.
4.0 — Induzi-lo, por meios suasórios, aos trabalhos mais do seu agrado e que lhe forneçam recursos para compra dos artigos correspondentes às suas novas necessidades.
5.0 — Revelar-lhe, pelo ensino livre e adequado, novos horizontes de vida, selecionando os mais capazes para guias do seu povo.
6.0 — Ter em vista, quanto aos trabalhos, o regime gregário da atividade indígena não só na execução, mas, sobretudo, na distribuição dos produtos, o que impedirá toda tentativa de loteamento.
O lote exige o individualismo e entre os índios, quando a atividade não é tribal, estará pelo menos adstrita a certas greis ou clãs dentro da tribo, raramente reduzidos a uma só família, O loteamento foi adotado nos Estados Unidos e hoje, reconhecido o seu completo fracasso, está legalmente abolido para os índios. E só se fala nele como de um regime que teve como conseqüência desorganizar as tribos e fazer-lhes perder as terras. O Governo ali está gastando quantias fabulosas para ver si consegue desfazer o que erradamente efetuou anos atrás.
Entre nós, na Monarquia, incidimos em erros semelhantes e as conseqüências foram as mesmas.
Não caiamos pois, em erros já tão conhecidos.
Como proceder então?
Do seguinte modo:
— Demarcar, de acordo com o artigo 154 da Constituição, as terras que os índios têm como suas;
— Destiná-las a seus trabalhos nas condições dos ensinos enumerados; eles irão naturalmente aumentando na proporção dos ensinamentos dos auxílios em ferramenta e das necessidades crescentes dos índios; roupas, armas, enfeites e vestidos para as mulheres etc..
— Facultar-lhes as trocas, de começo mesmo com prejuízo nosso, tendendo depois cada vez mais para o comercio comum mas fiscalizado, para evitar o álcool e as fraudes dos civilizados
- Si na terra do índio houver campos de criação então o problema estará, pela organização da sua pecuária, por metade; resolvido, pois a pecuária é uma atividade civilizada a que o seIvícola se adapta sem dificuldades. E’ magnifica transição para as demais atividades da civilização.
Só assim, e aos poucos, os Índios virão a nós.
Os Centros agrícolas deverão ser fundados, nas terras que não pertençam aos Índios, para os trabalhadores nacionais, que pelo sertão andam abandonados. Ai poderão ser recebidos os índios já emancipados e de atividades individualizada, que o desejarem.
E dentro de cada reserva de tribos, à proporção que os índios se forem individualizando, poderá ser separada, para uso exclusivo de cada família, gleba correspondente a um sitio, mantendo-se porém enquanto o restante permanecer em tribo, as restrições do dispositivo constitucional.
O SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS
Os métodos que estamos aqui resumidamente expondo para o aproveitamento e incorporação dos remanescentes dos nossos índios, sem as violências dos tempos coloniais, mas patriota e republicanamente constam do Regulamento do Serviço de Proteção aos índios, obra da nossa e da alheia experiência, no Brasil e na América, onde quer que se tenha estudado o Problema Indígena no interesse o próprio Índio e do seu aproveitamento nacional, Social e humano; e não como objeto de exploração e de produção.
O Serviço de Proteção aos índios é o órgão criado pelo Governo para assisti-los em todo o vasto território nacional.
Para dar cabal e conveniente solução à Magna Causa este serviço só carece de recursos.
APELO AO BRASIL
E nós que, nos debates de todos os assuntos nacionais, temos trazido sempre que possível a contribuição da nossa experiência sertaneja a figurar no programa dos que desejam acertar, não poderíamos ficar alheios, aos problemas de um Setor que foi o teatro das operações de toda a nossa vida e onde o nosso espírito vive e se debate nas recordações do Passado, nas cogitações. do Presente e sobretudo nas esperanças de um Futuro que não pode deixar de ser grandioso, si a geração atual não falhar à gigantesca tarefa cívica que o Brasil está exigindo de todos os seus filhos na hora tétrica que a Humanidade atravessa.
E temos confiança senão certeza, de que o Dr. Getúlio Vargas não nos negará o apoio de que carecemos, moral e material, para bem cumprir o dever que nos cabe como defensor direto do Índio quanto às suas terras, à sua liberdade e integridade de sua Família, perante a Civilização.
Salve Getúlio Vargas!